A letra a seguir é de "Não Vou Me Adaptar", de Arnaldo
Antunes (disco "Televisão", dos Titãs, de 1985)
"Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia
Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar
Eu não vou me adaptar, me adaptar
Eu não vou me adaptar, me adaptar
Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho essa cara já não é minha
É que quando eu me toquei achei tão estranho
A minha barba estava deste tamanho"
Ela retrata
bem a situação onde a velhice vem se enraizando cada dia mais dentro da gente.
E realmente não percebemos. Ninguém acorda de repente e fala: estou velho. Se
considerarmos que, no mundo presente, a maioria das pessoas é bombardeada
diariamente com dezenas de atividades. Família, trabalho, estudo, amigos, hobbies, investimentos, contas, veículos, religião, e bem comumente, tudo isso junto no
dia a dia. Raramente alguém para pra pensar no que se viveu, no que aprendeu. A
era da informação nos transformou em seres agitados, impacientes, e dependentes
dessa rotina. E, mesmo aos 40 ou 50 anos, ainda temos a sensação de sermos os
mesmos de 20 ou 30 anos atrás.
Na verdade,
o ser humano tem a mesma capacidade vital de muitos milênios. Pode estar mais
exposto a doenças (as psicológicas nos dias hoje, principalmente), a más
rotinas alimentares, sedentarismo, vícios químicos. Do outro lado, a medicina
nos ajuda a prolongar nossos dias. Mas, a exemplo do passado, raros são os que
passam dos 90, com boa dose de saúde e consciência. Talvez, há cerca de 50 ou
60 anos, os padrões eram outros. Um homem de 40 ou 50 anos já era avô. Era o
chefe de família, era o Sr. homem da sociedade.
Existe hoje
uma juventude cinquentona que amadureceu junto à era da tecnologia e das 1000
atividades. Mas, a exemplo de alguém que viveu em 130 A.C. ou alguém dos anos
1930, a idade nos cobra. A visão que falha, as dores no corpo, a memória não é
mais perfeita e rápida. Os cabelos que caem ou se embranquecem, a pouca
resistência à noite. A impaciência com os costumes dos mais novos. São sinais
que insistem em nos dizer todo dia que estamos na curva descendente da vida.
Mas a gente
está disposto a ouvi-los? Não. Anda achamos que aguentamos correr uma hora num
futebol, que vamos sempre abaixar sem ter dores ou mal jeito, achamos que somos
os jovens namoradores de duas décadas atrás. Achamos que podemos exagerar
sempre numa mesa de bar, que temos tanta facilidade com novas tecnologias do
que um garoto de 10 anos. Talvez nos recusemos a envelhecer, aceitar que a
força que fica é a força da sabedoria. De saber lidar com muitas situações, com
mais bom censo e equilíbrio emocional.
Claro que
muita gente da meia idade hoje se cuida muito mais. Principalmente no tocante
da alimentação e atividade física. Mesmo que a luta financeira do dia a dia
seja mais favorável a uns do que a outros nesses sentido. Claro que podemos nos
encontrar com uma doença agressiva logo ali na esquina. Mas, de uma certa
forma, esse aglomerado de atividades que os cinquentões se deparar todo dia
pode, sob alguma circunstância clínica, ser favorável a uma desaceleração
cerebral mais vagarosa. Talvez isso faça com que vivamos muitos anos de nossa
fase final da vida com boa capacidade de raciocínio, comunicação e poder ainda
ensinar algo para alguém. Só resta saber se nosso estado espiritual e
psicológico vai acompanhar essa condição orgânica.