sexta-feira, 18 de novembro de 2011

As várias faces da liberdade



Claudia Fernanda sonhava em viver no exterior. Nasceu numa cidadezinha pequena do interior. Filha de carteiro e copeira, a filha do meio de mais três irmãos. Desde cedo, menina recatada, responsável. Sempre com ótimas notas na escola, sempre ajudando a mãe em casa. Desde muito cedo se apaixonou pela língua inglesa. Sonhava em ser tradutora/interprete, mudar pra cidade grande e depois pra fora do país. Mas aos 17 conheceu Roberto. Morador próximo de sua cidade. Rapaz ativo, peão de rodeio, sempre conquistador e boêmio. Em poucos meses de namoro Claudia engravidou do primeiro filho. Aos trancos e barrancos, e contando com a pouca, mas possível ajuda das famílias, o casal alugou uma edícula pra começar a vida e a família. As coisas não foram fáceis. Claudia arrumou um trabalho como atendente de uma quitanda, enquanto o marido cuidava de gado, numa fazenda próxima. Algum tempo depois, veio o segundo filho. O casamento não ia bem. Roberto começou a se envolver com outras mulheres, nas festas de rodeio que freqüentava. Brigas domésticas, dificuldades financeiras. A quitanda onde Claudia trabalhava fechou as portas, e ela ficou meses em casa a procura de nova colocação, tendo que contar com a ajuda de familiares pra sobreviver. Entre brigas e beijos, veio acidentalmente a terceira filha. Se a situação já era difícil, ficou às raias do desespero, quando Roberto morreu num acidente de carro, quando voltava com amigos de uma festa. Tristeza, desespero, agonia, falta de vontade de viver. Tudo isso amenizado por um emprego de doméstica que Claudia conseguiu pra manter seus filhos. O sonho de estudar se formar parece definitivamente enterrado, junto ao corpo de seu marido.

Apesar da única alegria da vida de Claudia vir de seus três rebentos, a pergunta que faço Claudia é livre?

Em nosso cotidiano, costumamos nos deparar com dois tipos clássicos de liberdade: aquela onde nos vemos livres de algo que nos prende (escravidão, presídio), e a do livre arbítrio (escolher nossos caminhos e nossos atos). Mas com base na vida de Cláudia, podemos nos deparar com outro tipo de liberdade: aquela de estar vinculado a uma vida de luta, que gerou felicidades naturais, mas que a impede de ter contato com a vida que ela realmente quer.

Quantas e quantas pessoas se prendem a relacionamentos, empregos, igrejas, moradias, e como o próprio verbo rege, assimila essa vivência como verdadeiras prisões.

Em que pese muitos fatores que levam a isso, segurança, resignação, respeito, conceito de certo e errado, é intrínseco é visível que isso é culpa da própria pessoa. Pois ela mesma se condiciona a essa prisão. Mas às vezes palavras são mais fáceis de serem pronunciadas do que a vivência de situações.

Em suma, são prisões consentidas. A liberdade passa pela janela, mas o preço a pagar por ela é caro demais pela história e pelo caminho percorrido. Voltar e corrigir a rota pode ser dolorido demais.

Em muitos casos a solução talvez resida em tentar ignorar tal sonhada liberdade e colher as pequenas e esporádicas flores perfumadas neste ambiente lúgubre e desolador que tais prisões nos proporcionam.